Wednesday, March 29, 2006

 
Fragmento e Enigma..........3

Pelo imaginário e pelo sonho
realizamos velhos projectos
um pombal na colina
uma árvore para a nossa sombra
as águas formosas no regato

uma luz no entardecer
um mar amargo longínquo
afasta a dor de um barco parado
na corrente e nós às voltas
com a vida que nos limita

a chuva é o sangue da terra
é preciso romper as margens
para as águas passarem límpidas
a pureza está no fundo da corrente

(J.A.R.)

 
Fragmento e Enigma..........2

Em tempo de cristais partidos
ouviste a criança e o poeta
chorando pela condição humana
ó bem amada flor da urze

Não queiras ignorar a perfídia
enfrenta os negros corvos
deita-te comigo ao luar
ó bem amada flor do pântano

Em tempo de brumas e silêncios
ouviste o rugido das metralhas
e o gemido longínquo da floresta

Ó bem amada flor de jasmim
ouviste a criança e o poeta
chorando pela condição humana

(J.A.R.)

 
O Difícil Comércio das Palavras..........4

Vou passear alguns quilómetros ao longo do mar, não venhas comigo, tenho milhares de conchas para descobrir, posso ajudar-te se quiseres, não tragas nada, liberta esse peso e deita contas à vida, difícil como sempre disseste, não estou contra a ideia da partida, mas tem cuidado, nadas mal para tanto tubarão.

(J.A.R.)

 
O Difícil Comércio das Palavras..........3

Coisa feia podes crer, as tempestades são a sério e não dão para encobrir as lágrimas todas, que foram muitas e apenas poderei deixar páginas e páginas brancas de tanto silêncio. Quem foi não se sabe, nem culpados nem perfilados, excepto no 10 de Junho como a tradição manda, viva a dita, viva a data!

(J.A.R.)

 
Mar a Mar..........13

Despe a camisola o calor aperta tira primeiro o braço não esse o outro a cabeça dói mas passou mediste mal o ombro a distância ou o quê não enfies assim tem cuidado com as mamas aperta mais abaixo isso assim! E então? Não tenho tempo, o tempo todo para te oferecer, tenho pressa medo angústia solidão dói imenso levas uma chita mesmo com o ás de trunfo. Distracção ou batotice.

(J.A.R.)

 
Mar a Mar..........12

Os barcos estão assustados e, mesmo assim, percebem de mar.

(J.A.R.)

Monday, March 27, 2006

 
O Difícil Comércio das Palavras..........2

De repente recordas-te dos velhos papéis e tentas reconstruir os passos do amigo anónimo, tanto sonho, os jovens merecem toda a vida e a insatisfação é o preço da vitória. Lembras-te dela? Andavam pelo quintal de mãos dadas, que bonito namoro se perdeu, mas que fazer?
O amor espreita em todo o lado, não te distraias, a criança crescerá linda como as flores.

(J.A.R.)

 
Mar a Mar..........11

Ao longe, a montanha azul estéril e seca.
Azul de céu, marulhar suave.

(J.A.R.)

 
Mar a Mar..........10

Os sinos tocaram a rebate. Não penses nisso agora. Onde a coragem, o amor?
Em dias de lua cheia te procurei qual menino perdido e a verdade está à vista.
Como se houvesse pêndulo na torre e os sinos tocassem ininterruptamente e a cabeça estalasse, foi assim que definiste um vago ar de idiota na circunstancial cabeça do vizinho.

(J.A.R.)

 
Mar a Mar..........9

Assumiste então um solene ar de vagabundo. Os olhos que te fitavam insidiosos eram como pássaros assustados em noites de temporal. Bebeste água por copos de vidro e o sal acabara por estragar tudo.
Eis-te a caminho pela noite dentro embora o uivo prenhe da cadela te cause algum temor. Não deves temer o terramoto. Outros o viram ameaçador e avançaram sobre a cidade e não ficou pedra sobre pedra, mesmo o profeta desapareceu. Coitado que se perdeu talvez em vagas promessas de melhores dias.

(J.A.R.)

 
Mar a Mar..........8

Os barcos vogavam na crista das ondas. A lua cheia inundava o crepúsculo. Trémulas as velas, a luz era como uma pequenina anémona bruxuleante e densa.
Partiste em direcção ao Oriente. No côncavo do barco apenas um fio te prendia ao destino fértil como um balão em festa. Na aldeia o marulhar era agora suave e doce. Incorrupta e cálida manhã de Maio.

(J.A.R.)

Sunday, March 26, 2006

 
Fragmento e Enigma.........1


À memória de Almeida Garrett


Agora que o fogo crepita
na lareira e sete luas te saúdam
ó moira encantada eu digo
quão trabalhoso é o teu leito
ó moira bem-aventurada
passarei contigo sete sóis
sete luas sete estrelas
sete dias e um dia
sete espadas sete setas
espetadas na muralha
sete fogos na fornalha
sete noites de encantar
sete dias na semana
e um só para descansar


(J.A.R.)

 
O Difícil Comércio das Palavras..........1

Zeca Afonso

Percebo muito bem esse teu velho receio das estátuas e
medalhas, é assim o tempo que vivemos, às vezes amigos
em barda e outras vezes apenas a clara evidência da dor e do
silêncio nalguns momentos em que um estranho ruído saído do
mar evoca a festa da nossa fraternidade.

Foi bonito pá, tanto mar, tanta gente, tantos milhares com pequeninas luzes a brilhar e a certeza da tua presença digna e vertical.

(J.A.R.)

Saturday, March 25, 2006

 
Mar a Mar..........7

O mar levou todos os destroços para longe daqui. As vagas impedem agora o teu sorriso mesmo que a espuma te recorde uma tarde cinzenta de Outono e um doce olhar.
O teu amor pelo mar e o vento é comparável ao meu pelo cheiro da terra nas primeiras chuvadas do Verão.
Os teus olhos fitavam o horizonte. Bem podes esperar. O mar também devora os seus melhores filhos.

(J.A.R.)

 
Mar a Mar..........6

De novo os astros e a ternura a beijarem-te o sexo como quando loucamente aconteceu. Era Verão. O Sol acabava de subir no horizonte. Um lindo despontar.
Disseste assim sim e eu contigo: bendito dia que nos contempla entre as acácias floridas.

(J.A.R.)

 
Mar a Mar..........5

A ausência é muito importante, sobretudo em ti. Somos muito mais de nós e é por isso que as tuas coxas me falam de longas esperas. Não acredito nesta chuva miudinha. O Inverno é violento e por vezes dói. Não faz mal, acredita. Hei-de esperar até de madrugada e verás então como são tristes todas as partidas.

(J.A.R.)

 
Mar a Mar..........4

Canto a lua em noite ensolarada e mais aquela fiada de árvores pálidas rente ao ribeiro onde distraidamente coaxam as rãs e a anémona é agora tão importante como o abeto importado da Austrália.
Canto ainda os teus seios e a doce fecundidade do luar nesta hora propícia para o amor enquanto a multidão dorme na cidade. Cantarei tão alto como aquela montanha ali ao fundo rente às nuvens e esquecer-me-ei por momentos do avião em chamas na encosta.
Para quê rememorar as coisas tristes se o mais importante é ainda o fogo a irromper fortemente e a clara certeza do futuro onde nem um rio de lágrimas será suficiente para lavar a imundície da cidade.

(J.A.R.)

 
Mar a Mar..........3

A descoberta das ervas e o cheiro da madressilva inundava-te a clara consciência das coisas imperiosas.
Ela deitou-te lentamente e o amor entrou na tua noite de agruras e maus sonhos. Esqueceste o lagarto que dormia entre as pedras, o sussurro da água que corria e adormeceste muito tranquilamente.
Que desejo irrompe de súbito nas estrelas?


(J.A.R.)

 
Mar a Mar..........2

Ela falou amargamente do filho perdido para sempre, apesar da memória.
Ficaram então em silêncio e apenas a coruja ousou perturbar a quietude daquela tarde.

(J.A.R.)

 
Mar a Mar..........1

Vieste com este tempo chuvoso as mãos abertas um certo ar de princesa louca e os teus cabelos ao vento mais pareciam pérolas do oceano. Foi então que os meus lábios desceram ao mais profundo do teu silêncio.
Falaste vagamente no cigarro doença das luas cheias amaldiçoando não sei que veladas criaturas.
Andava eu absorto na mais profunda contemplação daqueles dias povoados de muita ternura, alguma dor e um sentimento amoroso à flor da pele inundava-me de súbito os músculos e o cérebro.
...o relógio da torre do velho campanário ecoou por entre vales e montanhas e ouviram-se com extrema nitidez as doze badaladas da meia-noite.

(J.A.R.)

Thursday, March 23, 2006

 
Andar ao Papel..........2..........As Opas da Retoma

Quando eu era pequenino aprendi a conhecer as opas das confrarias e irmandades religiosas lá na minha aldeia e confesso o meu estranho fascínio por esses mantos diáfanos da fantasia.
Vem agora o meu compadre Felisberto questionar-me sobre esta coisa das opas dos bancos e afins. Não sei se o posso elucidar convenientemente. Mas, em princípio, as coisas são assim: ora opas tu, ora opo eu! O Estado assiste e até pode sempre dizer que onde diz o que diz, diz o que não diz. Pronto! No caso das opas de espanhóis poderíamos sem problemas de maior alterar o hino e cantar "contra os espanhóis marchar, marchar"!... No caso de opas entre compatriotas invocaríamos aquela canção de Fátima "enquanto houver portugueses"!...
A verdade, caro compadre Felisberto, é que há uns quantos nomes sonantes de antes e depois do 25 de Abril, que podem opar quase tudo. A estranheza do meu compadre só existe porque se pode comprar um banco inteiro com dinheiro de outros bancos. O que o deixou a matutar desta maneira singela: queres lá ver que eu também posso comprar um banco um dia destes!... Tranquilizei-o dizendo que não. Essa faculdade só é reconhecida aos eleitos... E já é tarde, tardíssimo, para o meu compadre aprender.
As Opas podem ser amigas (embora também se diga que amigas são as putas!) ou hostis. Não pronunciar hóstis como fazem alguns jornalistas das televisões porque isso me deixa possesso. Lembrei-me também das hóstias e a verdade é que de passinho em passinho lá chegamos à sagrada religião do dinheiro...
Afinal, as Opas são todas por causa daquilo com que se compram os melões, concluiu sabiamente o meu compadre Felisberto.
Até à próxima Opa, digo eu!

(J.A.R.)

Wednesday, March 22, 2006

 
Andar ao Papel..........1


Já passaram mais de 35 anos (hélas!) desde o dia em que iniciei a minha vida de editor. É costume dizer-se que o êxito ou fracasso desta vida em que o papel e a tinta são reis depende muito do faro! Eis, pois, que vos falo de uma vida de cão!
Um dos primeiros candidatos à publicação que desceu à minha célebre (graças ao António Lobo Antunes) e exígua (porque sim!) cave de Benfica, apresentou-me um longo ensaio destinado, segundo o dito cujo, a revolucionar completamente o mundo, as pessoas e, pormenor nada despiciendo, a minha carteira...Dizia ele que o êxito do livro seria tal que este pobre editor poderia, a partir desse momento histórico, encomendar uma esteira, plantá-la entre duas árvores e ficar o resto da vida a ouvir os passarinhos e a descortinar a música do vento perdida algures nas ramagens da floresta.
Nos intervalos (muitos) iria contar as notas (muitas!). Pois bem, o título está em caixa alta como convém. "A QUATRO PATAS"!... Defendia o meu esforçado (nos argumentos) interlocutor que a posição natural dos humanos seria andarmos com os pés e as mãos assentes no chão. O que acontecera à raça humana para exibir tão certeiramente este ar direitinho fora uma feroz e inconcebível violência. Nada mais, nada menos... E atirava com números e mais números para me convencer deste êxito editorial. Milhões de portugueses, mais o Brasil, Angola, Moçambique, os Palop's todinhos, mais as comunidades portuguesas espalhadas pelo nosso vasto mundo, sem esquecer as hipóteses de tradução para todos os continentes. Ao tempo era de bom tom referir a classe operária, os camponeses, os soldados e marinheiros, a intelectualidade, os políticos (nunca esquecer a classe política!), os funcionários públicos (logo aqui quase metade do país!), eu sei lá...
Imaginei então todas as máquinas tipográficas por minha conta, camiões nas estradas, comboios a abarrotar de papel, navios fretados, aviões cruzando os ares...tudo a trabalhar para mim levando e trazendo o êxito editorial "A QUATRO PATAS"!...
Não segui o entusiasta autor de livro não publicado nesta sua sugestão editorial e não sei se vos diga, se vos conte, que talvez tenha cometido o primeiro de uma infindável série de erros irreparáveis...
Vou assistindo com algum espanto àquilo que se publica e ao triunfo de certos livros e confesso que não sei se o meu malogrado autor não teria toda a razão!

(J.A.R.)

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