Saturday, April 28, 2007

 
A tua obra, meu caro poeta, não é breve,
nem necessita de ser aparada e retalhada.
Vou pedir à mais bela das mulheres para
que a recite em voz alta, essa terna e linda
mulher vai lê-la em público para que todos
os herdeiros se possam apresentar para a
cerimónia da partilha, um repetido clamor
ecoará nos céus para que os tempos voltem
a correr para o lugar da fonte: fluxo e
refluxo das marés, terás a presidência no
banquete para que os mananciais dos rios
se possam alargar. Não haverá feriado sobre
a terra, nem interrupção, nem descanso, nem
repouso, nem alívio, nada mais poderá andar
para trás, nem diminuir, nem afrouxar. A
humilhação será banida da face da terra e
o homem será cada vez mais homem, não
permitiremos que o templo seja profanado
nem que se verta impunemente o sangue dos
inocentes. Todos os cativos serão libertados.
Todos serão nomeados pelos seus nomes.
Ninguém mais morrerá de fome: a poesia
assentará arraial no coração de todos os
homens dos tempos por vir, as flores de
todos os jardins erguer-se-ão num hino
constante ao criador, tudo isto foi mandado
lavrar como sentença nos livros públicos
para que possa cumprir-se conforme previsto
nas escrituras...e no entanto, os fios e os
laços emaranharam todos os novelos, as
aranhas puderam continuar a construir
pacientemente as suas teias, nada mais
que um ténue sinal brilha ao longe, alguns
mais sábios falam de um cometa, tu talvez
pudesses conduzir a minha pobre mão...
a minha pobre mão...a minha pobre mão...

(J.A.R.)

Friday, April 20, 2007

 
Um ligeiro torpor levou o Engº. Ferreira de Magalhães a
meditar sobre as sábias virtudes do álcool. Bendito, mil
vezes bendito o fruto dea videira, assim pensava quando
não conseguia atinar com os grandes mistérios do amor
cortês. Disse apenas, não há-de ser nada, recordou alguns
dos seus grandes momentos de glória, o monumento à
pulhice erguido em substituição do velho cruzeiro, o
último dos barcos da sua infância que se fez ao mar apesar
da tempestade, fitou a lareira e quedou-se mais silencioso
que um búzio. Foi necessário arrancá-lo ao seu mundo
mágico e dizer-lhe: mas isto é lá viver!...
As ramadas verdes foram fortemente batidas pelo vento,
o espírito que as anima dá mostras de grande vivacidade,
mas que culpa tem um homem do horror destes dias e
destas noites? Quem se lembrará de nós para além deste
sórdido tempo de pequenas misérias e horrores? Qual a
origem do massacre? Porque vilipendiamos as horas atrás
do mais perecível dos insectos? Quem descobrirá o segredo
que a luz deste minúsculo pirilampo transporta? A lua
cheia aí está no horizonte. As palavras enchem o espaço
vazio. Os personagens irrompem sem contornos definidos.
De quem a culpa, se culpa existe?
O Engº. Ferreira de Magalhães puxava ao sentimento. Onde
já se ouviu semelhante proposta nos tempos que correm,
os rios mantêm a água em níveis muito baixos e a floresta
obedece ao seu devir. O Engº. Ferreira de Magalhães está
muito preocupado com o dever. Repete sempre esta
asserção: o dever acima de tudo. Devemos sempre tudo.
Devendo sempre algo a nós próprios, ao frio inclemente,
a um fósforo para um fogo devorador, às entranhas, aos
interstícios mais fundos do fundo, que fique bem claro:
o dever acima de tudo. Quem não deve não teme. Quem
teme, não pode dever. Quem não tiver deveres a cumprir,
cumpra-se tal qual o destino da coruja no inverno
inclemente. É noite, um susto medonho inunda o cérebro
do Engº. Ferreira de Magalhães, lembra-se do mato, um
gatilho aperrado, o medo, o terrível medo, o escuro da
noite, o medo da morte, as minas, o som das balas, o
silvar das balas, os mortos aos pés, os pés que saltaram
pelos ares sobre o chão inimigo, uma mina, o caralho
das minas, a merda das guerras, a puta que os pariu a
todos, seus cabrões de merda, façam amor que isso
passa-lhes, seus fodas de meia leca, seus sebados, acabem
com este pesadelo, pronto acabou o pesadelo, acorde
ó Engenheiro, esqueça-se das coisas tristes, quem lhe
disse que nós existimos? É tudo mentira, ouviu?

(J.A.R.)

Friday, April 06, 2007

 
"há notícias de todos os náufragos perdidos de todos os
carrascos amarrados ao pelourinho da história falemos
então dos sacrifícios sem par e também da enorme
multidão em correria surda e mouca ao destino que a
envolve e sem nada saber de antes e depois do massacre
impiedoso rio do esquecimento rio que separa a morte
da vida em todos os cais do planeta há um par de namorados
de frente para as águas em todos os cais há uma esperança
a nascer um dia novo que desperta uma certa beatitude
um grande amor é sempre uma tábua de salvação em breve
tudo se saberá inventaremos novos espaços para a vida e o
mundo caminhará para a sua face mais humana
afugentaremos os maus presságios com uma enorme dança
junto ao fogo ah este fogo de incríveis cambiantes apela ao
mais profundo de ti: fogo devorador de pequenos deuses
quotidianos fogo prestes a explodir sobre as nossas
cabeças abrir os olhos é difícil a perversidade é saber
que não veremos o invisível e que os olhos vendados
da multidão apontam para o rio do esquecimento"

(J.A.R.)





Tuesday, April 03, 2007

 
"Por mim falar-te-ei dos vagabundos, das
ovelhas tresmalhadas do rebanho, do manto
de neve que cobre a serra, dos comediantes
de um circo, da imensa ternura de todos os
palhaços do mundo, de Palinuro, piloto da
nau de Eneias, de Ulisses na ilha de Ogígia
contemplando as águas paradas na costa
marítima, mais que cansado do leito da deusa.
Ulisses, o mais humano dos deuses e o mais
imortal dos humanos"

(J.A.R.)

Monday, April 02, 2007

 
"este caminho é sem regresso e sem destino quem
cobardemente empunha as ordens e as acena como
se cumprisse o simples rito da morte a faca do crime?
morte aos fautores da guerra mesmo sabendo que
todas as condenações são cobardes afirmamos o
direito à destruição de todas as armas é um mundo
livre esse inigualável mundo sem ameias: é sabido
que só os poetas apontam o caminho"

(J.A.R.)

Sunday, April 01, 2007

 
"Invoco os mistérios, as participações nas
coisas sagradas, os gladiadores divertindo
os poderosos para distracção do povo, os
animais ferozes, a nomenclatura, uma
estrela no signo de Escorpião, uma madeixa
no teu cabelo, os vínculos da amizade, os
semblantes semelhantes aos deuses, uma
constelação inteira de joelhos perante
Júpiter, deus dos deuses, as ninfas despidas
junto ao mar invocando os machos para a
hora da cópula, o nó da atadura, o fio, o
lineamento, a linha, a teia, o nó de junco,
o amor de Pedro e Inês, a neve abundante,
a verdura destes prados, a noite... os
inimigos trazem armas ofensivas, preparam-se
para a guerra, façam amor, não a guerra,
foi a opinião sagaz de uma tua admiradora!"

(J.A.R.)

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