Friday, November 23, 2007

 
À MEMÓRIA DO MEU AMIGO RUY BELO

"BREVE PROGRAMA PARA UMA INICIAÇÂO AO CANTO

Ao escrever, e independentemente do valor do que escrevo,
tenho às vezes a vaga consciência de que contribuo, embora
modestamente, para o aperfeiçoamento desta terra onde um
dia nasci para nela morrer um dia para sempre. Dou palavras
um pouco como as árvores dão fruto, embora de uma forma
pouco natural e até antinatural porquanto, sendo como o é a
poesia uma forma de cultura, representa uma alteração, um
desvio e até uma violência exercidos sobre a natureza. Mas, ao
escrever, dou à terra, que para mim é tudo, um pouco do que é
da terra. Nesse sentido, escrever é para mim morrer um pouco,
antecipar um regresso definitivo à terra.
Escrevo como vivo, como amo, destruindo-me. Suicido-me nas
palavras. Violento-me. Altero uma ordem, uma harmonia, uma
paz que, mais do que a paz invocada como instrumento de
opressão, mais do que a paz dos cemitérios, é a paz, a harmonia
das repartições públicas, dos desfiles militares, da concórdia
doméstica, das instituições de benemerência. Ao escrever,
mato-me e mato. A poesia é um acto de insubordinação a todos
os níveis, desde o nível da linguagem como instrumento de
comunicação, até ao nível do conformismo, da conivência com
a ordem, qualquer ordem estabelecida.
O poeta deve surpreender-se e surpreender, recusar-se como
instituição, fugir da integração, da reforma que até mesmo
pessoas e grupos aparentemente progressivos lhe começam
subtilmente a tentar impor o mais tardar aos trinta anos.
Abaixo o oportunismo, a demagogia, seja a que pretexto for.
O poeta deve desconfiar dos aplausos, do êxito e até passar
a abominar o que escreveu logo depois de o ter escrito. Numa
sociedade onde quase todos, pertencentes a quase todos os
sectores, procuram afinal instalar-se o mais cedo possível,
permanecer fiéis à imagem que de si próprios criaram pessoal-
mente ou por interpostas pessoas, o poeta denuncia-se e denuncia,
introduz a intranquilidade nas consciências, nas correntes
literárias ou ideológicas, na ordem pública, nas organizações
patrióticas ou nas patrióticas organizações.
Escrever é desconcertar, perturbar e, em certa medida, agredir.
Alguém se encarregará de institucionalizar o escritor, desde os
amigos, os conterrâneos, os companheiros de luta, até todas
aquelas pessoas ou coisas que abominou e combateu. Acabarão
por lhe encontrar coerência, evolução harmoniosa, enquadramento
numa tradição. Servir-se-ão dele, utilizá-lo-ão, homenageá-lo-ão.
Sabem que assim o conseguirão calar, amordaçar, reduzir.
É claro que falo do poeta e não do poetastro, do industrial e
comerciante de poemas, do promotor da venda das palavras que
proferiu. Falo do homem que nunca repousou sobre o que escreveu,
que se recusou a servir-se a si e a servir, que constantemente se
sublevou.
Falo do homem que, ombro a ombro com os oprimidos, empunhando
a palavra como uma enxada ou uma arma, encontrou ou pelo menos
procurou na linguagem um contorno para o silêncio que há no vento,
no mar, nos campos.
O poeta, sensível e até mais sensível porventura que os outros homens,
imolou o coração à palavra, fugiu da autobiografia, tentou evitar
a todo o custo a vida privada. Ai dele se não desceu à rua, se não sujou
as mãos nos problemas do seu tempo, mas ai dele também se, sem
esperar por uma imortalidade rotundamente incompatível com a sua
condição mortal, não teve sempre os olhos postos no futuro, no dia
de amanhã, quando houver mais justiça, mais beleza sobre esta terra
sob a qual jazerá, finalmente tranquilo, finalmente pacífico, finalmente
adormecido, finalmente senhor e súbdito do silêncio que em vão tentou
apreender com palavras, finalmente disponível não já tanto para o
som dos sinos como para o som dos guizos e chocalhos dos animais
que comem a erva que afinal pôde crescer no solo que ele, apodrecendo,
adubou com o seu corpo merecidamente morto e sepultado."

IN RUY BELO, TRANSPORTE NO TEMPO, Moraes editores, 1973

Wednesday, November 21, 2007

 
"DESTINO DE POETA

Palavras? Sim, de ar,
e no ar perdidas.
Deixa-me perder entre palavras,
deixa-me ser o ar nuns lábios,
um sopro vagabundo sem contornos
que o ar desvanece.

Também a luz em si mesma se perde."

IN Octavio Paz, Antologia Poética,
1984, Publicações Dom Quixote

Friday, November 09, 2007

 
" FILHO DE BURROUGHS

Ele continua louco e amotinado ao fim de
tantos corredores
-Setas vermelhas indicam EXIT em todas as
paredes
mas ele sabe que não há saída possível
Ele saltou todos os obstáculos no seu cavalo
branco
só lhe falta saltar um obstáculo-o seu
cavalo branco
Os relógios pararam todos na mesma hora
mas o seu coração continua a bater a bater a
BATER
Ele prescindiu de tudo menos da beleza
de ser quem era
Ele é tão inútil como um pássaro no asfalto
sonhando com o néon verde da primavera

Jorge de Sousa Braga, in O POETA NU,
1991, Fenda EDições


Thursday, November 08, 2007

 
EXERCÍCIO POÉTICO

Um poeta canta
em mim: quem será?
Uma rosa, um cardo
ou um touro
na campina?

(J.A.R.)

Wednesday, November 07, 2007

 
BOA QUARTA-FEIRA:))))))))))

Sunday, November 04, 2007

 
"Trazei-me pinhos e trigos
e as oliveiras de prata,
que os meus olhos não têm nada.
E eram tão ricos!

Dai-me floresta e colina,
oráculo e cítara e harpa.
Tecei-me a coroa sacra
que perdi. Restituí-ma!

Dai-me um barco, dai-me um barco
de colo de cisne,
que pelas águas quero ir-me
do mar largo.

A história da minha vida
quem a esconde
em terras de muito longe,
numa pedra escrita?

Pelas névoas da lonjura
vou buscar-me.
Deve estar em qualquer parte
a voz que minha alma escuta.

A voz que lhe está dizendo:
"Vem comigo,
que eu te levo a um paraíso
onde há uma árvore de Vento,

e as estrêlas vão passando
nas águas que vão correndo."

Cecília Meireles, in "Metal Rosicler",
1960, Rio de Janeiro, Livros de Portugal

 
BOM DOMINGO! BOA TARDE!

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