Saturday, December 22, 2007

 
Para os meus amigos, especialmente para a Alex,
neste Natal/2007 com Votos de um Bom 2008!


À memória de Léo Ferré


"Salvé, Música!
Salvé, vocês todos!

Salvé...Portugal, como uma música de partida para lá, lá onde as
estrelas se põem a interrogar-se sobre a nossa vida profunda, quando
ela, a nossa vida, é uma simples questão de biologia...

Olá Portugal! Olá Portugueses
meus amigos,

aqui estou eu para lhes dizer que os amo e que nunca encontrei, sob os
projectores, compreensão e afeição maiores...Tenho a impressão de que
nos conhecemos há 100.000 anos...
O tempo...é como uma página que parece branca...o tempo, para mim, é
o Amor vermelho e negro...igual a uma página da minha Música.
Nunca uma página está em branco; há sempre nela a imponderável marca
dos farrapeiros ou daquele bosque, além, que se cria perdido para sempre
e para sempre investido pelo terror das aves nocturnas, pássaros do tamanho
de homens, eles também, que buscam, na floresta, algo que alimente a
curiosidade dos imbecis ou a casta inteligência dos ratos de biblioteca, ou
dos empresários de notícias do nosso dia-a-dia, de um passado próximo,
que amanhã de manhã será lido nas ruas de Nova Iorque ou nos caixotes do
lixo da irrisão, da decadência universitária, do encanto, enfim, quando esse
encanto se multiplica por 50, 100, 200 páginas dum magazine à cata de
conhecimentos...
Para lermos nas entrelinhas, é preciso haver linhas...Para lermos entre-olhos,
é preciso haver vontade de nos deixarmos ler também. E para ler a bruma,
há que avançar devagar para esse húmido desespero que eloquentemente
se limpa no próximo posto...de gasolina. "Veja lá: está bem assim? E o óleo?...",
até que chega o momento de nos perdermos no rasto dum silêncio povoado:
estou sozinho, eu, e persigo a minha solidão. Mais não sou do que um Anjo
a cavalo nos cavalos do meu carro...do teu carro...Esta página do caminho
é uma página habitada pelo inútil,
pelo fantástico, pela tremura do Amor, pelo desastre do pensamento evolutivo.
Nada, nada há que se desfaça, se nada houver a desfazer, e contudo...Sei de engarrafamentos em que a lei do número leva a melhor ao tempo. Se contares
as paragens declinando esse verbo fraterno e ansioso que se chama "viajar",
ficarás sem saber nada do teu destino de viajante. A imaginação levar-te-á
longe, se tu quiseres, mas depois vais à deriva, mesmo sem quereres, já não
podes parar, porque o imaginário não tem vontade. É isso que provoca aquela vibração-ou algo semelhante- dos insectos desconhecidos que a gente afasta
com uma sapatada. Quando se pára, a página de súbito enegrece, sem que a máquina jamais se ponha a andar!
O sonho é a Música sobre a página branca...ou que branca parece. Porque no
fundo a página é sempre negra, desse negrume dos cisnes, à noite, quando a
gente de repente se lembra que não está neste mundo. As pautas, nesta folha de papel, estão cheias de sinfonias "simpáticas"...A Música maior nunca ninguém a lerá, nunca ninguém a ouvirá. Geme, algures, numa floresta mal apreendida."

In Léo Ferré-Álbum, Edição Ulmeiro, 1984, tradução de Luiza Neto Jorge.

Monday, December 10, 2007

 
" DEVES ESQUECER

Retratos de mulher,
menos daquelas que amei profundamente.
Cartas de noivas dez anos dentro das gavetas,
a respiração difícil, papéis sem pulmão,
tudo deves esquecer, principalmente as faces.
O nome é impossível.
Lá fora, a vida.
Já não me lembrava dessas existências,
entre as quais a minha.
Nem um adjetivo!
Enfim sabes o que é solidão!"

(Rio de Janeiro, 1940)

In Aydano do Couto Ferraz, "Os poemas perdidos e
seu reencontro", 1983, Civilização Brasileira/Pró-Memória
Instituto Nacional do Livro

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