Friday, April 17, 2009

 
"Escrever é um modo de acreditar, dirá alguém. É um modo
de tornar possível uma paisagem.
É assim: vamos pela terra fora tentando respirar. Alteramos
assim um discurso, uma inclinação para o que é extenso.
- É aqui, dizemos. E na verdade era aí.
Isto faz sentido, tem importância, percebe-se.
Às vezes é impossível estar ausente e tudo o que se faz comporta
essa forma perigosa de ser. Olhamos em volta, falando do que
é nosso. Tentamos criar a partir de nós próprios um novo discurso,
uma coisa perigosa, violenta.
- Que se há-de fazer?- perguntamos.
Então decidimos escrever, como se tivéssemos repentinamente
emudecido. Esperar será pela primeira vez uma arte.
Vêm depois os inevitáveis impulsos e esquecem-se as férias,
pedem-se desculpas.
Assim se inicia a representação.
Um novo modo de ser triste determina a nossa voz. Anos depois,
aos nossos próprios gritos, suceder-se-ão as supremas técnicas
para os ouvir.
Então, como se ousássemos sacrificar um doce destino, o rumo
completo de uma vida, murmuramos as mais lúcidas palavras
que conhecemos e em pleno inverno, envoltos pela crueldade
de uma cidade estrangeira, choramos.
Pela madrugada, saímos para a rua a falar da ternura, com uma
poderosa expressão e violência."

Mário-Rui N. Cordeiro, CENTRAL PARK, livro inédito

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