Wednesday, March 22, 2006

 
Andar ao Papel..........1


Já passaram mais de 35 anos (hélas!) desde o dia em que iniciei a minha vida de editor. É costume dizer-se que o êxito ou fracasso desta vida em que o papel e a tinta são reis depende muito do faro! Eis, pois, que vos falo de uma vida de cão!
Um dos primeiros candidatos à publicação que desceu à minha célebre (graças ao António Lobo Antunes) e exígua (porque sim!) cave de Benfica, apresentou-me um longo ensaio destinado, segundo o dito cujo, a revolucionar completamente o mundo, as pessoas e, pormenor nada despiciendo, a minha carteira...Dizia ele que o êxito do livro seria tal que este pobre editor poderia, a partir desse momento histórico, encomendar uma esteira, plantá-la entre duas árvores e ficar o resto da vida a ouvir os passarinhos e a descortinar a música do vento perdida algures nas ramagens da floresta.
Nos intervalos (muitos) iria contar as notas (muitas!). Pois bem, o título está em caixa alta como convém. "A QUATRO PATAS"!... Defendia o meu esforçado (nos argumentos) interlocutor que a posição natural dos humanos seria andarmos com os pés e as mãos assentes no chão. O que acontecera à raça humana para exibir tão certeiramente este ar direitinho fora uma feroz e inconcebível violência. Nada mais, nada menos... E atirava com números e mais números para me convencer deste êxito editorial. Milhões de portugueses, mais o Brasil, Angola, Moçambique, os Palop's todinhos, mais as comunidades portuguesas espalhadas pelo nosso vasto mundo, sem esquecer as hipóteses de tradução para todos os continentes. Ao tempo era de bom tom referir a classe operária, os camponeses, os soldados e marinheiros, a intelectualidade, os políticos (nunca esquecer a classe política!), os funcionários públicos (logo aqui quase metade do país!), eu sei lá...
Imaginei então todas as máquinas tipográficas por minha conta, camiões nas estradas, comboios a abarrotar de papel, navios fretados, aviões cruzando os ares...tudo a trabalhar para mim levando e trazendo o êxito editorial "A QUATRO PATAS"!...
Não segui o entusiasta autor de livro não publicado nesta sua sugestão editorial e não sei se vos diga, se vos conte, que talvez tenha cometido o primeiro de uma infindável série de erros irreparáveis...
Vou assistindo com algum espanto àquilo que se publica e ao triunfo de certos livros e confesso que não sei se o meu malogrado autor não teria toda a razão!

(J.A.R.)

Comments:
Mais uma(brilhante) pequena história de outros tempos da "Ulmeiro"!

Também fiquei na dúvida, amigo Zé, se não deveria ter acreditado nesse suposto autor e no seu "A Quatro Patas!" (a julgar pela forma como hoje segue o mundo!)... e, talvez, hoje, estivesse na tal esteira entre 2 árvores, a contar dinheiro :)

Um abraço amigo,
 
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