Sunday, September 19, 2010
"PARA ALÉM DO VOO DA CORUJA, AS FRONTEIRAS DO ENIGMA
Ao José Antunes Ribeiro
Por mim falar-te-ei do esquecimento e da perda, de tantos sonhos arrastados no fluir desse rio de que somos secretamente cúmplices, soletrando a disforia, navegando memórias para sempre coladas à vertigem de um voo que é elogio da opacidade, forma visível de nomear a estreiteza do tempo.
Nas tuas palavras respiro a teoria do fogo, a projecção infinita do sangue, como sentir iluminado no momento de contabilizar ruínas e descobrir, no mais fundo do silêncio, o peso nocturno dos amigos mortos. Longe ou perto, o caminho da poesia inevitável. Longe ou perto, a voz da loucura mansa.
Era assim a aproximação do real, a sua negatividade devoradora. Por vezes, a ironia, a crueldade. Por vezes, a ternura espessa. Nas margens de uma revolução que foi cais de embarque para febres visionárias, a esperança a flutuar no imenso magma de pérfidas traições. Lisboa sem memória, apagada e frágil.
O teu rio atravessa os territórios da alma e fecunda o imenso mar da desordem, em cruzamentos de enigma para decifrar mais tarde. Por ele escorregam parcelas de identidade, emigrantes, retornados, canções de poetas exilados, sombras de jovens soldados para quem a morte se confunde com o perfume de sonhadas raparigas, grávidas talvez, a sorrir na eternidade das promessas, deusas de cabelos soltos ao vento, os gestos leves como ervas de amor, o álcool fugaz de todas as iniciações.
As sílabas do teu grito tecem pacientemente a urdidura das dúvidas, tecido manso de viagens para além do voo da coruja, seu riso de destinos entrelaçados na cruel passagem do tempo, de mãos dadas com a lua, a piar de lucidez como ninfa das trevas, incapaz de suportar a maldição da claridade.
O homem que se perde nas esquinas da cidade ignora certamente o murmúrio das águas que resvalam pelo medo, lágrimas litorais a conjurar a insolência das feridas, quando a explosão se anuncia por entre as palavras que dizem as múltiplas coagulações da violência, as pedras, os punhais, a lenta dissolução dos heróis em pátrias de autoridade e de conquista.
Mesmo se tudo passa como um imenso riso de fluidez obscura e ambígua, os poetas continuam a avançar pela caverna tenebrosa dos presságios, levando na mão uma tocha antiga que é chama capaz de iluminar a espessura perfeita do vazio. E assim tudo estremece na incerteza de um mundo vacilante, respeitando um ritual misterioso, inscrito em transparência nas raízes da voz, como imensa matriz cósmica, formuladora de infinitas possibilidades para o tormento de existir. À procura da totalidade. Escavando auroras por dentro da trama confusa do sentir. Na pista do esplendor.
De súbito, o relâmpago das palavras ilumina o horizonte. Alguém ousa a identificação dos contrários, na busca incessante de um percurso sem regresso nem destino, aprendizagem do caos em noites de amor e bruma.
A ave nocturna anuncia o rio do esquecimento, mas há namorados sentados à beira das ruínas, a construir enigmas com a sede das florestas junto ao mar. Entre a consciência e a noite, o corpo intacto, na travessia subtil das aparências.
O narrador confirma: "é sabido que só os poetas apontam o caminho"
Maria Graciete Besse
(Maria Graciete Besse é Professora Catedrática na Sorbonne, Paris IV, onde entre outras actividades, é responsável pela equipa de Estudos Lusófonos. Tem uma vasta obra publicada entre Poesia, Ficção e Ensaio.)
Ao José Antunes Ribeiro
Por mim falar-te-ei do esquecimento e da perda, de tantos sonhos arrastados no fluir desse rio de que somos secretamente cúmplices, soletrando a disforia, navegando memórias para sempre coladas à vertigem de um voo que é elogio da opacidade, forma visível de nomear a estreiteza do tempo.
Nas tuas palavras respiro a teoria do fogo, a projecção infinita do sangue, como sentir iluminado no momento de contabilizar ruínas e descobrir, no mais fundo do silêncio, o peso nocturno dos amigos mortos. Longe ou perto, o caminho da poesia inevitável. Longe ou perto, a voz da loucura mansa.
Era assim a aproximação do real, a sua negatividade devoradora. Por vezes, a ironia, a crueldade. Por vezes, a ternura espessa. Nas margens de uma revolução que foi cais de embarque para febres visionárias, a esperança a flutuar no imenso magma de pérfidas traições. Lisboa sem memória, apagada e frágil.
O teu rio atravessa os territórios da alma e fecunda o imenso mar da desordem, em cruzamentos de enigma para decifrar mais tarde. Por ele escorregam parcelas de identidade, emigrantes, retornados, canções de poetas exilados, sombras de jovens soldados para quem a morte se confunde com o perfume de sonhadas raparigas, grávidas talvez, a sorrir na eternidade das promessas, deusas de cabelos soltos ao vento, os gestos leves como ervas de amor, o álcool fugaz de todas as iniciações.
As sílabas do teu grito tecem pacientemente a urdidura das dúvidas, tecido manso de viagens para além do voo da coruja, seu riso de destinos entrelaçados na cruel passagem do tempo, de mãos dadas com a lua, a piar de lucidez como ninfa das trevas, incapaz de suportar a maldição da claridade.
O homem que se perde nas esquinas da cidade ignora certamente o murmúrio das águas que resvalam pelo medo, lágrimas litorais a conjurar a insolência das feridas, quando a explosão se anuncia por entre as palavras que dizem as múltiplas coagulações da violência, as pedras, os punhais, a lenta dissolução dos heróis em pátrias de autoridade e de conquista.
Mesmo se tudo passa como um imenso riso de fluidez obscura e ambígua, os poetas continuam a avançar pela caverna tenebrosa dos presságios, levando na mão uma tocha antiga que é chama capaz de iluminar a espessura perfeita do vazio. E assim tudo estremece na incerteza de um mundo vacilante, respeitando um ritual misterioso, inscrito em transparência nas raízes da voz, como imensa matriz cósmica, formuladora de infinitas possibilidades para o tormento de existir. À procura da totalidade. Escavando auroras por dentro da trama confusa do sentir. Na pista do esplendor.
De súbito, o relâmpago das palavras ilumina o horizonte. Alguém ousa a identificação dos contrários, na busca incessante de um percurso sem regresso nem destino, aprendizagem do caos em noites de amor e bruma.
A ave nocturna anuncia o rio do esquecimento, mas há namorados sentados à beira das ruínas, a construir enigmas com a sede das florestas junto ao mar. Entre a consciência e a noite, o corpo intacto, na travessia subtil das aparências.
O narrador confirma: "é sabido que só os poetas apontam o caminho"
Maria Graciete Besse
(Maria Graciete Besse é Professora Catedrática na Sorbonne, Paris IV, onde entre outras actividades, é responsável pela equipa de Estudos Lusófonos. Tem uma vasta obra publicada entre Poesia, Ficção e Ensaio.)
Saturday, April 10, 2010
O FACEBOOK TEM CONSUMIDO O MEU POUCO TEMPO!!!
Peço desculpa a todos os meus amigos do blog. Em breve irei
decidir como rearrumar o meu tempo de forma a continuar por
aqui. Para já BOM DOMINGO a todos!!!
Peço desculpa a todos os meus amigos do blog. Em breve irei
decidir como rearrumar o meu tempo de forma a continuar por
aqui. Para já BOM DOMINGO a todos!!!
Sunday, February 14, 2010
"VARIEDADE DOS EFEITOS DO AMOR
Nascemos para amar: a Humanidade
Vai, tarde ou cedo, aos laços da ternura.
Tu és doce atractivo, oh formosura,
Que encanta, que seduz, que persuade.
Enleia-se por gosto a liberdade;
E depois que a paixão na alma se apura,
Alguns então lhe chamam desventura,
Chamam-lhe alguns então felicidade.
Qual se abisma nas lôbregas tristezas,
Qual em suaves júbilos discorre,
Com esperanças mil na ideia acesas.
Amor ou desfalece, ou pára, ou corre;
E, segundo as diversas naturezas,
Um porfia, este esquece, aquele morre."
Manuel Maria Barbosa du Bocage, SONETOS,
In BOCAGE A OBRA E O HOMEM, Arcádia, 1980
Nascemos para amar: a Humanidade
Vai, tarde ou cedo, aos laços da ternura.
Tu és doce atractivo, oh formosura,
Que encanta, que seduz, que persuade.
Enleia-se por gosto a liberdade;
E depois que a paixão na alma se apura,
Alguns então lhe chamam desventura,
Chamam-lhe alguns então felicidade.
Qual se abisma nas lôbregas tristezas,
Qual em suaves júbilos discorre,
Com esperanças mil na ideia acesas.
Amor ou desfalece, ou pára, ou corre;
E, segundo as diversas naturezas,
Um porfia, este esquece, aquele morre."
Manuel Maria Barbosa du Bocage, SONETOS,
In BOCAGE A OBRA E O HOMEM, Arcádia, 1980
Sunday, January 31, 2010
HOMENAGEM AO MEU AMIGO EDUARDO BENTO
"A CASA
1. Este é o chão, aqui se molda a casa. Deste recanto ouvirei a coruja
e o noitibó esconjurando os astros. Abeiro-me já da janela para
sorver o sol ou ver a chuva. Aqui invento o olhar onde uma paisagem
me fala de todas as partidas e de nenhum regresso.
Será aqui a casa. Ela começa no bater do coração, ali na lisura das
paredes, onde a tarde perdeu todas as sombras, lá onde só resta a
pura fulguração da luz. A horizontal luz do teu olhar. Ah, faltam os
espinhos da roseira para prender os sonhos e o verde da camélia
para entreter os olhos.
2. O que sobrou do ferro, da pedra, da argamassa, do alisar das mãos
é agora a casa. Foi aqui que germinou o lancil e se abriu a porta e tu
disseste: Quero uma mesa que acolha todos os homens.
É macio o côncavo do dia. Mansa é a noite. A casa acolhe agora o
silêncio de muitas vozes. E a ternura dos gestos prende-se à fulguração
do lume, o sussurro da chama abranda a inquietação das horas e em
toda a casa perpassa o som dos teus passos.
Diria que o soalho acaricia os pés, as mãos acolhem a brancura do riso.
É aqui a partilha do pão, a maciez acidulada do vinho na toalha onde
ardem serenas palavras. Esta é a lenta demora, o lento declinar das
estrelas, no breve contentamento...Aqui é a casa.
3. Nenhum lugar é nosso e apenas resistimos ao pó. Mas agora é o tempo
da casa. Começa a cumplicidade dos sonhos, o desvendar deste recanto, a
intimidade das horas.
É preciso chegar à medula da casa e aí interrogar o corpo, beber devagar
o declinar dos dias, entretecer a noite e descobrir que o momento é toda
a eternidade. Retarda o encontro com a rua, com a urgência do tempo,
deixa que a ternura navegue pela casa e escuta o palpitar dos astros até
que a estrela da manhã se apague na lentidão do crepúsculo.
4. Podemos rodear a casa. Soletrar os ângulos. Tocar o branco da cal,
a dureza da pedra. Aqui demoro mas tão brevemente como é breve a
sombra do muro.
No jardim um pássaro acende a tarde e é verão...(Chamaste ou é o apelo
da noite que aí vem?)
5. Estamos sempre mais longe e não há regresso. A distância é o nevoeiro
dos dias, o apagamento da memória...Agora a casa é uma palavra em ruínas.
A mesa é feita de lugares vazios. A humidade saboreia a caliça e há raízes
investindo com os muros. A trave apodrecida é um mastro caído à espera
de outro mar.
Adivinho antigos rumores, vozes dispersas. Aqui um horizonte se apaga, breve
e última respiração das coisas. Agora só se ouve a débil pulsação da noite."
Eduardo Bento, in O NEVOEIRO DOS DIAS (65 Poemas), 2009, Ponte Editora
"A CASA
1. Este é o chão, aqui se molda a casa. Deste recanto ouvirei a coruja
e o noitibó esconjurando os astros. Abeiro-me já da janela para
sorver o sol ou ver a chuva. Aqui invento o olhar onde uma paisagem
me fala de todas as partidas e de nenhum regresso.
Será aqui a casa. Ela começa no bater do coração, ali na lisura das
paredes, onde a tarde perdeu todas as sombras, lá onde só resta a
pura fulguração da luz. A horizontal luz do teu olhar. Ah, faltam os
espinhos da roseira para prender os sonhos e o verde da camélia
para entreter os olhos.
2. O que sobrou do ferro, da pedra, da argamassa, do alisar das mãos
é agora a casa. Foi aqui que germinou o lancil e se abriu a porta e tu
disseste: Quero uma mesa que acolha todos os homens.
É macio o côncavo do dia. Mansa é a noite. A casa acolhe agora o
silêncio de muitas vozes. E a ternura dos gestos prende-se à fulguração
do lume, o sussurro da chama abranda a inquietação das horas e em
toda a casa perpassa o som dos teus passos.
Diria que o soalho acaricia os pés, as mãos acolhem a brancura do riso.
É aqui a partilha do pão, a maciez acidulada do vinho na toalha onde
ardem serenas palavras. Esta é a lenta demora, o lento declinar das
estrelas, no breve contentamento...Aqui é a casa.
3. Nenhum lugar é nosso e apenas resistimos ao pó. Mas agora é o tempo
da casa. Começa a cumplicidade dos sonhos, o desvendar deste recanto, a
intimidade das horas.
É preciso chegar à medula da casa e aí interrogar o corpo, beber devagar
o declinar dos dias, entretecer a noite e descobrir que o momento é toda
a eternidade. Retarda o encontro com a rua, com a urgência do tempo,
deixa que a ternura navegue pela casa e escuta o palpitar dos astros até
que a estrela da manhã se apague na lentidão do crepúsculo.
4. Podemos rodear a casa. Soletrar os ângulos. Tocar o branco da cal,
a dureza da pedra. Aqui demoro mas tão brevemente como é breve a
sombra do muro.
No jardim um pássaro acende a tarde e é verão...(Chamaste ou é o apelo
da noite que aí vem?)
5. Estamos sempre mais longe e não há regresso. A distância é o nevoeiro
dos dias, o apagamento da memória...Agora a casa é uma palavra em ruínas.
A mesa é feita de lugares vazios. A humidade saboreia a caliça e há raízes
investindo com os muros. A trave apodrecida é um mastro caído à espera
de outro mar.
Adivinho antigos rumores, vozes dispersas. Aqui um horizonte se apaga, breve
e última respiração das coisas. Agora só se ouve a débil pulsação da noite."
Eduardo Bento, in O NEVOEIRO DOS DIAS (65 Poemas), 2009, Ponte Editora
Tuesday, January 19, 2010
"CAMÕES DIRIGE-SE
AOS SEUS CONTEMPORÂNEOS
Podereis roubar-me tudo:
as ideias, as palavras, as imagens,
e também as metáforas, os temas, os motivos,
os símbolos, e a primazia
nas dores sofridas de uma língua nova,
no entendimento de outros, na coragem
de combater, julgar, de penetrar
em recessos de amor para que sois castrados.
E podereis depois não me citar,
suprimir-me, ignorar-me, aclamar até
outros ladrões mais felizes.
Não importa nada: que o castigo
será terrível. Não só quando
vossos netos não souberem já quem sois
terão de saber melhor ainda
do que fingir que não sabeis,
como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais,
reverterá para o meu nome. E mesmo será meu,
tido por meu, contado como meu,
até mesmo aquele pouco e miserável
que, só por vós, sem roubo, haveríeis feito.
Nada tereis, mas nada: nem ossos,
que um vosso esqueleto há-de ser buscado,
para passar por meu. E para outros ladrões,
iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo."
JORGE DE SENA (de METAMORFOSES (1963)),
in OCIDENTE, Nº. 415, Novembro, 1972 (Nova Série)
AOS SEUS CONTEMPORÂNEOS
Podereis roubar-me tudo:
as ideias, as palavras, as imagens,
e também as metáforas, os temas, os motivos,
os símbolos, e a primazia
nas dores sofridas de uma língua nova,
no entendimento de outros, na coragem
de combater, julgar, de penetrar
em recessos de amor para que sois castrados.
E podereis depois não me citar,
suprimir-me, ignorar-me, aclamar até
outros ladrões mais felizes.
Não importa nada: que o castigo
será terrível. Não só quando
vossos netos não souberem já quem sois
terão de saber melhor ainda
do que fingir que não sabeis,
como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais,
reverterá para o meu nome. E mesmo será meu,
tido por meu, contado como meu,
até mesmo aquele pouco e miserável
que, só por vós, sem roubo, haveríeis feito.
Nada tereis, mas nada: nem ossos,
que um vosso esqueleto há-de ser buscado,
para passar por meu. E para outros ladrões,
iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo."
JORGE DE SENA (de METAMORFOSES (1963)),
in OCIDENTE, Nº. 415, Novembro, 1972 (Nova Série)
Tuesday, January 05, 2010
" VOU-ME EMBORA PARA PASÁRGADA
VOU-ME EMBORA pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água.
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mais triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
-Lá sou amigo do rei-
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada. "
IN Manuel Bandeira, POESIA COMPLETA E PROSA,
Volume Único, José Aguilar Editôra, 1967,
2ª. edição Comemorativa do 80º. Aniversário do Poeta
VOU-ME EMBORA pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água.
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mais triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
-Lá sou amigo do rei-
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada. "
IN Manuel Bandeira, POESIA COMPLETA E PROSA,
Volume Único, José Aguilar Editôra, 1967,
2ª. edição Comemorativa do 80º. Aniversário do Poeta
Thursday, December 17, 2009
Para o Dr.Medina Carreira
Cartas de um filho a um pai e de um pai a um filho sobre a CRISE que aí está!
Querido pai,
Como já deves ter notado a CRISE está por aí há já muito tempo e vai continuar ainda nos próximos anos. Os economistas (e o Dr. Medina Carreira) não sabem quando vai terminar.
Graças a ti e à mãe pude estudar Economia numa boa Universidade e jamais esquecerei tudo o que fizeram por mim. Sou hoje um bom aluno graças aos vossos sacrifícios de todos os dias.
Escrevo-te hoje para te dizer que a Crise aí está e que deves falar com a mãe para que se possam defender melhor nos dias ou anos que se aproximam. Acho que se estivesse no vosso lugar pensaria muito bem os investimentos na vossa loja, não é altura para grandes aventuras, o melhor é esperar para ver. Este é um bom momento para repensar tudo! O Dr. Medina Carreira até concorda comigo e eu aliás sempre segui o conselho dele: "Meninos, juizinho e quietinhos!".
Mas hoje estou muito preocupado convosco. Pensem bem no que lhes digo! Fale com a mãe e preparem-se para reduzir a vossa actividade!
Beijo do vosso,
Felisberto
Querido filho,
Cá recebemos a tua cartinha que muito agradecemos. Ainda bem que te mandámos estudar Economia!
Já falei com a tua mãe e pedi-lhe para reduzir pelo menos 50% no nº. de refeições, nas sandes, copos de tinto, cafés, cálices de aguardente e tudo o mais...
Graças a ti, querido filho, pudemos concluir que a CRISE está aí! Também às vezes vejo e revejo o Dr.Medina Carreira e sei que há amigos meus mais novos que quando as crianças se portam mal dizem sempre olha que se não te portares bem vem aí o Dr.Medina Carreira e diz: "Meninos, juizinho e quietinhos"! E parece que dá um grande resultado!
Podes, pois, ficar descansado. Cá por casa vamos seguir à risca o teu conselho porque se te mandámos estudar Economia com tantos sacrifícios é para agora podermos benificiar da tua preciosa ajuda.
Um grande beijo do pai e da tua mãe,
Teodósio Fortunato
Querido pai,
Ainda bem que ouviram os meus conselhos e os do Dr.Medina Carreira, homem sábio e avisado, que temos a felicidade de ouvir e cuja receita vai resolver todos os problemas na Educação: "Meninos, juizinho e quietinhos". Agora só fico à espera das receitas para o resto da Crise. Porque elas não faltam em todos os sectores, em todas as coisas e em tudo quanto é país neste Planeta! Agora já só podemos mudar de Planeta!...
Mas a minha cartinha de hoje é ainda para sublinhar uma vez mais a CRISE que aí está! Ela continua cada vez pior e veio para ficar. Acho que a Toyota também está em crise!
Fale com a mãe e diga-me algo que me deixe mais descansado.
Um beijo deste filho agradecido pelos sacrifícios que fizeram para que eu possa tirar o meu curso de Economia,
Felisberto
Querido filho,
Estive ainda agora a conversar com a tua mãe e quero que fiques descansado connosco. Continuámos a cortar na oferta aqui no nosso estabelecimento e tens mesmo razão: vendemos cada vez menos e quero agradecer-te a ti (e ao Dr.Medina Carreira) porque agora sabemos que a CRISE está mesmo aí! Ainda bem que te mandámos estudar e ainda bem que temos televisão. Eu e a tua mãe damos graças a Deus por te termos enviado para a cidade para o curso de Economia. O nosso orgulho é enorme. Só para nos dizeres que a Crise está aí já valeu a pena teres estudado!
Não te preocupes connosco. Estás no bom caminho. Qualquer dia a TV precisa de ti para substituir o Dr. Medina Carreira e talvez consigas fugir da Crise.
Um beijo dos pais que te adoram,
Teodósio Fortunato
Querido pai,
Aproxima-se o Natal e o Fim do Ano e eu bem gostaria de vos trazer boas notícias.
Infelizmente não se vislumbram melhorias. Estou cada vez mais preocupado convosco!
Vou aí passar o Natal e o Ano Novo e teremos oportunidade de conversar a sério sobre tudo isto.
Beijos para o pai e para a mãe,
Felisberto
Querido filho,
Tinhas toda a razão. Tu e o Dr.Medina Carreira fizeram bem em ter estudado tanto para nos alertarem para os problemas económicos!
Quanto a nós vamos a Fátima agradecer a Nossa Senhora por nos ter dado um filho que acertou em cheio na crise. Ela aí está em todo o seu esplendor: JÁ NÃO VENDEMOS NADA! Ainda bem que te mandámos estudar. Ainda bem que temos olhos para ver o Dr.Medina Carreira. Tu és o nosso orgulho! Esperamos-te no Natal já com o estabelecimento fechado. Crise maior não pode haver!
Beijos deste pai e da tua mãe,
Teodósio Fortunato
(J.A.R.)
Cartas de um filho a um pai e de um pai a um filho sobre a CRISE que aí está!
Querido pai,
Como já deves ter notado a CRISE está por aí há já muito tempo e vai continuar ainda nos próximos anos. Os economistas (e o Dr. Medina Carreira) não sabem quando vai terminar.
Graças a ti e à mãe pude estudar Economia numa boa Universidade e jamais esquecerei tudo o que fizeram por mim. Sou hoje um bom aluno graças aos vossos sacrifícios de todos os dias.
Escrevo-te hoje para te dizer que a Crise aí está e que deves falar com a mãe para que se possam defender melhor nos dias ou anos que se aproximam. Acho que se estivesse no vosso lugar pensaria muito bem os investimentos na vossa loja, não é altura para grandes aventuras, o melhor é esperar para ver. Este é um bom momento para repensar tudo! O Dr. Medina Carreira até concorda comigo e eu aliás sempre segui o conselho dele: "Meninos, juizinho e quietinhos!".
Mas hoje estou muito preocupado convosco. Pensem bem no que lhes digo! Fale com a mãe e preparem-se para reduzir a vossa actividade!
Beijo do vosso,
Felisberto
Querido filho,
Cá recebemos a tua cartinha que muito agradecemos. Ainda bem que te mandámos estudar Economia!
Já falei com a tua mãe e pedi-lhe para reduzir pelo menos 50% no nº. de refeições, nas sandes, copos de tinto, cafés, cálices de aguardente e tudo o mais...
Graças a ti, querido filho, pudemos concluir que a CRISE está aí! Também às vezes vejo e revejo o Dr.Medina Carreira e sei que há amigos meus mais novos que quando as crianças se portam mal dizem sempre olha que se não te portares bem vem aí o Dr.Medina Carreira e diz: "Meninos, juizinho e quietinhos"! E parece que dá um grande resultado!
Podes, pois, ficar descansado. Cá por casa vamos seguir à risca o teu conselho porque se te mandámos estudar Economia com tantos sacrifícios é para agora podermos benificiar da tua preciosa ajuda.
Um grande beijo do pai e da tua mãe,
Teodósio Fortunato
Querido pai,
Ainda bem que ouviram os meus conselhos e os do Dr.Medina Carreira, homem sábio e avisado, que temos a felicidade de ouvir e cuja receita vai resolver todos os problemas na Educação: "Meninos, juizinho e quietinhos". Agora só fico à espera das receitas para o resto da Crise. Porque elas não faltam em todos os sectores, em todas as coisas e em tudo quanto é país neste Planeta! Agora já só podemos mudar de Planeta!...
Mas a minha cartinha de hoje é ainda para sublinhar uma vez mais a CRISE que aí está! Ela continua cada vez pior e veio para ficar. Acho que a Toyota também está em crise!
Fale com a mãe e diga-me algo que me deixe mais descansado.
Um beijo deste filho agradecido pelos sacrifícios que fizeram para que eu possa tirar o meu curso de Economia,
Felisberto
Querido filho,
Estive ainda agora a conversar com a tua mãe e quero que fiques descansado connosco. Continuámos a cortar na oferta aqui no nosso estabelecimento e tens mesmo razão: vendemos cada vez menos e quero agradecer-te a ti (e ao Dr.Medina Carreira) porque agora sabemos que a CRISE está mesmo aí! Ainda bem que te mandámos estudar e ainda bem que temos televisão. Eu e a tua mãe damos graças a Deus por te termos enviado para a cidade para o curso de Economia. O nosso orgulho é enorme. Só para nos dizeres que a Crise está aí já valeu a pena teres estudado!
Não te preocupes connosco. Estás no bom caminho. Qualquer dia a TV precisa de ti para substituir o Dr. Medina Carreira e talvez consigas fugir da Crise.
Um beijo dos pais que te adoram,
Teodósio Fortunato
Querido pai,
Aproxima-se o Natal e o Fim do Ano e eu bem gostaria de vos trazer boas notícias.
Infelizmente não se vislumbram melhorias. Estou cada vez mais preocupado convosco!
Vou aí passar o Natal e o Ano Novo e teremos oportunidade de conversar a sério sobre tudo isto.
Beijos para o pai e para a mãe,
Felisberto
Querido filho,
Tinhas toda a razão. Tu e o Dr.Medina Carreira fizeram bem em ter estudado tanto para nos alertarem para os problemas económicos!
Quanto a nós vamos a Fátima agradecer a Nossa Senhora por nos ter dado um filho que acertou em cheio na crise. Ela aí está em todo o seu esplendor: JÁ NÃO VENDEMOS NADA! Ainda bem que te mandámos estudar. Ainda bem que temos olhos para ver o Dr.Medina Carreira. Tu és o nosso orgulho! Esperamos-te no Natal já com o estabelecimento fechado. Crise maior não pode haver!
Beijos deste pai e da tua mãe,
Teodósio Fortunato
(J.A.R.)