Tuesday, February 24, 2009

 
"Ouvia os actores em baixo, trabalhando a sua penosa ciência
de divertirem as pessoas.
O tilintar das ferramentas.
A obra.
A oficina.
As tradições que era preciso respeitar.
Esqueci tudo isso. Caminhei. Perdia-me e encontrava-me.
Foi sempre assim desde a fundação dos templos. De repente
começamos a saber. Sabemos tudo e corremos em todas as
direcções. Estabelecemos um equilíbrio. Dispomos as histórias,
os lugares e os sonhos numa curiosa ordem decrescente, cheia
de senso e ironia.
Pegamos num livro e lemos, estabelecendo assim a confusão,
muitas relações e um número infindável de afinidades.
Pensamos- nada nos salvará.
Além há a poesia- a arte de criar o excesso. Imaginem: no meio
de muito ódio as pessoas amam-se. Assim: duas pessoas amam-se.
Isto pode ser o começo duma revoluçãozinha, meus senhores.
Sobretudo é preciso não descuidar os factores lugar e tempo,
enchê-los de sabedoria e premeditação até cairmos doentes.
Não procurar ser feliz, nem ter prestígio.
No meio de muito ódio e muita indiferença, duas pessoas
amam-se, não se esqueçam.
Uma diz:- esta noite sonhei que estavas doente, na cama e eu ia
ver-te.
A partir daqui pode caminhar-se para a salvação de tudo isto. Para
o aproveitar de todo o tempo possível.
É assim: duas pessoas encontram-se. Ambas têm uma história que
querem contar, uma, portanto, grande analogia. Uma aglomeração
de pequenas histórias e mestrias.
Há histórias que se desenvolvem em círculos. Não há, no entanto,
palavras para as contar e a procura delas dá origem ao estilo.
E o estilo não existe."

Mário-Rui N. Cordeiro, in CENTRAL PARK, livro inédito

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