Sunday, September 14, 2008

 
"Todo o lugar é uma festa onde o público que existe
tem pressa. A história do teatro prova-o.
Olhemos a Grécia quando buscamos equivalências-
diz alguém.

Nenhuma cidade é igual a outra cidade porque ambas
não existem, desde o princípio. Ninguém sabe como
começaram, ou se existiram alguma vez-é tudo tão
veloz e longínquo.

Peguemos numa paisagem e chamemos-lhe vagarosa,
juntemos-lhe depois outro adjectivo: colorida.
Obtemos assim uma unidade. Desenvolvamos esta
unidade até à sua origem, descubramos por ela um
ritmo, uma velocidade, demos-lhe um clima. Chamemos-lhe
depois:
paisagem vagarosamente colorida a uma temperatura de
vinte graus centígrados.
Febril é depois o modo de anunciarmos o vento que sopra
das encostas, às imagens e aos troncos, de maneira a dar
a isto o aspecto excepcional duma destruição.

Toda a história é inevitavelmente a exploração febril do
destino centrífugo dos deuses e dos homens, a velha lenda
exaltada de todos os lugares impossíveis, a luta contra a
intelegibilidade.
Assim surgindo, uma história é ameaçada no aparente rigor
da sua unidade:
primeiro através da brancura ininterrupta do papel, depois
nos significados que encerra.
E nada lhes resiste. O seu ritmo é e é grande; é grande a atitude
da mão desenhando freneticamente as letras. Depois a isto
demos um nome: Livro.
Então o mais se dispersa e o livro divide-se em milhares,
milhões de partes.
Citemos duas:
A primeira: a impossibilidade extrema e acrobática das
palavras- o festim.
A segunda: o reconhecimento mais ou menos imediato dessa
impossibilidade- agitação.

Tudo o mais é ritmo, estética, maldade.

Assim neste exercício combinatório das forças emissárias do
Próximo e do Longínquo, que possui também os seus heróis
e os seus mártires, os criminosos e as suas vítimas, os seus,
portanto, tons claros e escuros; neste processo instaurador
duma destruição que leva à identificação de intensidades
intimamente celebradas; neste, digamos, alucinado modo de
exigência, alvorece o leitor. Ele não separará o puro do impuro,
mas tornará possível (embora improvável) o esgotamento
geral do livro.
Porque todo o leitor deve ser resultante duma certa forma de
intranquilidade e inocência, ele deambulará pelos sentidos
tempestuosos dos textos tentando sobreviver à destruição,
instituindo o conflito como uma relação: luz, mar, magia, erosão.
Assim se elabora a vagarosa trajectória, os círculos cada vez mais
centralizados que levarão à chamada Síntese.

Estas narrações (dir-se-á depois) encerram a história do homem
porque nasceram dum homem contra a relatividade das coisas,
contra a malícia dos deuses, contra o próprio homem. Tudo isto
devagar, sempre devagar até ao fim (a arte é lenta), até à reinvenção
das terras e do mundo, dos lugares inabitáveis, das vozes subversivas
dos primeiros homens."

Mário-Rui N.Cordeiro, CENTRAL PARK, (livro inédito)

Comments:
Gosto de ler Mário Cordeiro. Não é fácil. Mas não é de autores fáceis a escrita sublime, soberba que delicia.Um Lobo Antunes, um Saramago, um Miguel Torga deixam-me entrar na viagem das suas palavras, numa trajéctória empolgante que me torna sua leitora assídua.É assim que o meu gosto se sacia, se dessedenta.

Beijinho
 
chego ao seu blog tão tardiamente. confesso-me fã da sua escrita há muitos anos. que raiva não o ter encontrado por aqui há mais tempo...
 
A UM CERTO OLHAR...
A UM/UMA ANÓNIMO/A!

Confesso-me obrigado e atento. Escrevo para ser lido, embora liberto da obrigação da escrita. Escrevo para enganar a morte, a minha, claro! Escrevo por amor...Busco a luz, sempre!
A amizade, sempre!
 
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