Sunday, August 19, 2007

 
"Ouvimos dizer: Não queres continuar
a trabalhar connosco


1.

Ouvimos dizer: Não queres continuar a trabalhar connosco.
Estás arrasado. Já não podes andar de cá para lá.
Estás muito cansado. Já não és capaz de aprender.
Estás liquidado.
Não se pode exigir de ti que faças mais.

Pois fica sabendo:
Nós exigimo-lo.

Se estiveres cansado e adormecido
Ninguém te acordará nem dirá:
Levanta-te, está aqui a comida.
Porque é que a comida havia de estar ali?
Se não podes andar de cá para lá
Ficarás estendido. Ninguém
te irá buscar e dizer:
Houve uma revolução. As fábricas
esperam por ti.
Porque é que havia de haver uma revolução?
Quando estiveres morto, virão enterrar-te
Quer tu sejas ou não culpado da tua morte.

Tu dizes: Que já lutaste muito tempo. Que já não podes lutar mais.

Pois ouve:
Quer tu tenhas culpa ou não:
Se já não podes lutar mais, serás destruído.

2.

Dizes tu: Que esperaste muito tempo. Que já não podes ter esperanças.
Que esperavas tu?
Que a luta fosse fácil?

Não é esse o caso:
A nossa situação é pior do que tu julgavas.

É assim:
Se não levarmos a cabo o sobre-humano
Estamos perdidos.
Se não pudermos fazer o que ninguém de nós pode exigir
Afundar-nos-emos.

Os nossos inimigos só esperam
Que nós nos cansemos.

Quando a luta é mais encarniçada
É que os lutadores estão mais cansados.
Os lutadores que estão cansados demais, perdem a batalha."

Bertolt Brecht, versão portuguesa de Paulo Quintela, in "Vértice" nº. 382/383

Comments:
Sempre pertinente, este Bertolt?
Conheço os poemas há décadas. Muitas já.
Não vale desistir, meu amigo!
Temos de ir à luta.
Abraço,
Manuel
 
Temos, temos de ir à luta.
Não conhecia e gostei. Gostei muito. Tenho aprendido tanto.
Um abraço Zé


Antes de me ir embora, e quase por instinto, este poema fez-me lembrar de uma outra luta. Da não desistência da criação, do ABANÃO que este poema me sugere.

Diz assim:

"Ha! Sim, as palavras.

Tirar a roupa perante o olhar de estranhos é sem dúvida um acto de puro despir. E despir tem arte. Ou talvez não. E escrever? Escrever perante o olhar de quem não nos conhece?

Apetecem-me as palavras.
Hoje.
E ontém, e amanhã, depois.
Já não se guardam, nem se escrevem ao acaso em paredes
Já não se reinventam as palavras
Escrevem-se de memória,
Adivinham-se no tempo.
Apetece-me o amanhecer para além da palavra.
Estalem-se os dedos!
Há vida!
Há um mundo real por detrás das palavras.
As palavras têm vozes.
Está lá?
Está?
Cai a ligação!

As palavras. A própria palavra de p a l a v r a ? Vem de onde? A palavra?
Deixa ver. Palavra = som ou conjunto de sons articulados com uma significação; termo; vocábulo; o dom da fala; da escrita; elocução; afirmação; ensinamento; doutrina; promessa verbal; concessão para falar.

Elocução.
Gosto.
Afirmação.
Concessão?
Não!
Não é precisa a concessão da palavra.

As palavras são como a nudez. Usamos as palavras com que nos despimos, ou vestimos apressadamente.
Pegamos nas palavras com urgência
Como quem sacia o sentido emergente.

- Se as calarmos, provocamos o silêncio.
- Se as dizemos sozinhas, criamos o monólogo
O pensamento.
- Se as rimarmos, criamos o verso.
- Se as sentirmos, escrevemos um poema.
Tal criança que descobre a força dos seus traços
E descobrimos.
Palavrear é criar.
Tocar na palavra a medo
Devagar
Escrevemo-la
Já não tão devagar.
Descobrimos o som, o ritmo, a quietude.
E não há já o vagar para se esculpir de novo as palavras.
Não, «não nos podemos enganar sobre o sabor das palavras».



Navegamos no mar das palavras
Mas não lhes pertencemos.


Pois temos! Temos mesmo que ir à luta, ninguém usará da nossa palavra quando chegar a nossa vez de falarmos.

"



Ufa!
 
Bonito poema, Alex:)
É teu?!...Gostava de saber!
Um abraço!Até logo!
 
Ol� Z�:)

S� n�o � meu a parte da Sophia "n�o nos podemos enganar sobre o sabor das palavras�.


Abra�o Z�
 
Olà, jà estou em paris.
Temos de ir à luta, como vamos à vida, à escuta, em resistência, informados...
e nao estamos afastados
da realidade e do quotidiano.
Por dentro dele vamos com as maos, amassamos este pao, e partilhamos até à ultima migalha!
Senao nao vale!
Bertolt, pertinente e impertinente.
" Despir tem arte ", imprimir o que està dentro e fora, como um mata-borrao, e reagir.
Beijos a todos LM, paris
 
Post a Comment



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

Web Page Counters