Thursday, December 14, 2006

 
Cinquenta anos passados sobre a tua partida,
venho dizer-te que quase tudo continua
como dantes aqui no burgo, ainda é possível
beber uns copos de bom sumo de uva,
apesar do enorme progresso da química,
o país está como sempre suspenso e à espera
do indefenível momento, há barcos no rio
Tejo mas as desgraças já não são só marítimas.
Estarás certamente à espera das grandes
notícias: os poetas esperam o entardecer
para adivinharem o futuro da ciência, sabes
bem que nunca tantos falaram de ti, lições,
reedições, traduções, medalhas, retratos,
exposições, actos locutórios, actos ilocutórios
e até, imagina, actos perlocutórios, para
cúmulo a mágoa dos escombros deste
tempo, uma grande família dança ao longo
do cais, um barco voga nas ondas a suavidade
destes dias, a acalmia, a imponente figura
do pássaro nocturno fendendo os céus
e anunciando um amor sem limites e ainda
e sempre um país perfilado e de joelhos
vendo passar a tua imagem na procissão
das velas, o trágico elogio fúnebre à tua
pobre carcaça juntou alguns milhões,
a televisão em directo, o povo erecto e tu
ali deitado estranhamente incorruptível,
mas que grande patife, é bem feito,
pouco sabes de ciência certa, parece que
algumas meninas da faculdade das letras
(recordas-te delas?) desmaiaram só de ouvir
pronunciar o teu nome, e agora? o tal Reis
Ventura que te limpou o primeiro prémio de
poesia arrumou os livros em África e vá de
se lembrar que havia sangue no capim, é muito
grave, como bem vês, as margens são agora
a única hipótese segura, tudo é indefenido,
os sorrisos estão apontados ao longe onde
num velho campanário abandonado aos
pássaros as paredes ressonam, cheiram a
eternidade, a poesia por aí está em todo
o sítio, menos no do costume, pois é impossível
determinar o quê e o como nessa latitude,
mas a luta é sem quartel, um poeta morreu
a exigir silêncio total entre as oliveiras, essas
árvores tão cheias de sabedoria, os vagabundos
mais vagabundos da noite pernoitam nas
alamedas rente aos esconsos onde as putas
vão resolvendo o possível das grandes
frustrações colectivas, até o mulato Barnabé
me afirmou com todas as forças que o melhor
da vida dele se perdera nessas vielas escuras,
de mãos dadas um homem e uma mulher
deram a volta ao quarteirão, só então se apurou
que estavam enganados, enganei-me disse ela,
ele apenas acenou com a cabeça, os transeuntes
que presencearam a cena baixaram o dorso
e enganaram alguns orientais que assim
se puderam aperceber da transcendência dos
seres naquele inenarrável momento ontológico...



Sossegai ó gentes sabei que o rio do esquecimento é esta
apetência para o horror um sábio navega nestas águas quem
ri no fim rirá melhor amigos meus ardem no tempo soturnos
amigos de Peniche também quem nos manda calar a inocência
falaremos de tudo o que passou por mim não tenciono
investigar nada de nada bem me basta a certeza dos montes
a chorar há longos meses em busca das lágrimas mais puras


Comments:
Eu julgo saber que o gajo ia do Poço do Bispo a Algés com ela, mas que nunca davam as mãos.
É bem provável que fosse misógeno. Certo, é que não deixou semente biológica. Sementes doutra natureza deixou-as em cada um de nós, o grande safado!
A raça... a graça que a coisa tem!
 
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