Wednesday, October 18, 2006

 
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À MANEIRA DE POSFÁCIO OU COMO AS VIAGENS POR VEZES
ARRASTAM CONSIGO TERRÍVEIS TRAGÉDIAS

Recorda uma conversa na aldeia quando a tua incomodidade se tornava já insuportável e escreveste a pedido uns papelinhos assim:

"- Eu, Teodósio Moreira, sou condutor das malas do correio entre a estação dos Caminhos de Ferro e a localidade, há já 35 anos. Sou um doente, pobre e tenho 75 anos de idade. Sinto-me por isso sem forças para continuar esta vida. Nestas circunstâncias e apelando para a vossa generosidade, venho pedir a V.Exª. se digne, se possível, atribuir-me uma pensão ou subsídio que possa garantir o resto do meu viver.

A Bem da Nação
Teodósio Moreira"


A Bem da Nação. Ponto. Ganhava em 1941 cinco escudos por dia, depois foi para seis escudos por dia, e trinta e dois anos depois ajustaram-lhe cinquenta escudos por dia, mas descontava sempre aos domingos e dias feriados, por mês recebe mais ou menos mil e duzentos, mil e trezentos escudos. Aos sábados à noite vai à estação buscar a mala e é obrigado a dormir num palheiro em cima duma serapilheira, pois o amigo tem pena dele e deixa-o dormir de graça.
Aos domingos também aí dorme para trazer o correio na segunda de manhã. Como consegue chegar à estação? Vai às dezassete e dez da tarde num burro e espera pelo comboio que só passa às vinte e uma e treze minutos. Levanta-se às três da manhã para poder receber a mala das três e trinta, depois sai às seis da manhã para chegar aqui às oito e entregar o correio para distribuição. Quando não pode paga vinte e cinco escudos ao táxi para lhe trazer a mala. Se estiver doente mete um homem por conta dele a quem paga tudo o que ganha e para isso ainda é obrigado a pedir autorização aos Correios que podem rejeitar o homem, por ter qualquer defeito, falta de idoneidade moral, ou robustez, ou outras coisas semelhantes.
Se sai da localidade acontece o mesmo. O correio vai à praça de dois em dois anos, mas em trinta e cinco anos (trinta e cinco anos) nunca o pôs na praça. Tem um fiador e duas testemunhas que se comprometem a fazer o mesmo serviço. A empregada sempre lhe pagou nos Correios, mas agora veio uma ordem que o proíbe e obrigam-no a ir receber à vila nas Finanças.
Uma vez esteve doente e a mulher, a sua mulher, foi fazer-lhe o correio e ficou debaixo do comboio, por descuido dela. Nunca lhe pagaram nada. O comboio cortou-lhe uma perna, secou-se-lhe o sangue, não havia médico e foi morrer à cidade. Isto já foi há treze anos, tinha sessenta e um anos.
Ganha há cerca de dois anos (dois anos) os tais cinquenta escudos, antes ganhava vinte e sete escudos.
Tem o burro há treze anos e a despesa do burro é mais ou menos metade do ordenado. Pediu para escrever a ministros e disseram-lhe que não tinha direito.
Quando chove e há trovoada, haja o que houver, tem sempre que romper...A Bem da Nação, pois então!

(J.A.R.)

Comments:
também já tinha saudades de o ler! :)

e este texto... deixou-me sem palavras. Sem fôlego. Bateu cá dentro. Com estrondo.
 
Olá, Papu,Boa noite!:)

A verdade é que já me apetecia regressar!
Este texto encerra o "O Difícil Comércio das Palavras" e é também uma espécie de metáfora daqueles (destes?) difíceis tempos...
Para mim é também uma homenagem ao meu Pai, que em circunstâncias diversas, viveu o trabalho de operário da Via e Obras dos Caminhos de Ferro, provavelmente com a mesma tenacidade e... a mesma miserável exploração!...
Um abraço do
J.A.R.
 
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