Saturday, December 23, 2006

 
QUE UMA LUZ MUITO CLARA NOS TRAGA UM TEMPO LIVRE E SOLIDÁRIO.
MUITO BOAS FESTAS. (Mensagem recebida do meu amigo José Fanha).
DEIXO-A A TODOS OS AMIGOS

 
Ó rio do esquecimento toda a memória se esfumou e agora é
preciso desenlear a meada um único fio permanece à espera
e é à volta dele que o enigma persiste

 
Enxertai as árvores,o preguinho,
o carvalho, o cravinho, o amieiro,
enxertai sobretudo o ulmeiro para
que deus o fortaleça na sua infinita
misericórdia. Enxertai as videiras
pois que o sumo da uva deve merecer
a benção das bençãos.

Friday, December 22, 2006

 
Olá amiga boa noite a felicidade possível é a fuga da memória
destes dissabores calcados na solidão dos dias deste caudal
que nos arrasta ao longo dos meses perdidos no labirinto da
cidade quem souber da esperança terá lugar no banquete
prometido na noite em fuga do que fugimos? para onde nos arrastará o vendaval?

 
É imperioso reprimir a avareza, a
República está abatida e é parca de
certezas, o mais certo é a possibilidade
de um tempo de jardins desabitados,
já sabes, claro, do homem e da mulher
que se despiram no parque em pleno
inverno de chuva inclemente, bátegas
de água traiçoeiras roubaram-lhes
o espaço para o amor, veio a polícia
e declarou-os sem juízo, as criancinhas
é que se impressionaram mais por causa
da estrela na testa, no dia seguinte a
rádio informou: a culpa foi do Fernando
Pessoa, testemunhas oculares viram
ao lado desses desavergonhados o
Livro do Desassossego. Acabou agora
o Cardeal de pegar no microfone e
de se dirigir ao país. Parece que foram
internados num hospital nuzinhos
da cintura para cima e para baixo.
Apanharam uma pneumonia, mas
pronto, tudo aconteceu castamente,
puramente, honestamente, santamente,
limpamente. Com a República abatida,
sem forças, é agora mais decisiva a tua
força de poeta combatente. Um copo,
dois copos, três copos e assim por
diante, nem que para tanto seja
necessário diminuir o exército, anular
as forças expedicionárias, cardar
a lã nos redis, extrair as sementes
de cânhamo, tosquiar os gados,
plantar tomates e estrelas, construir
algumas belas estátuas de mulheres
célebres, se não te importares dá
primazia à nossa boa estrela, coloca-a
no jardim das delícias, meu velho
sábio, poisa-a muito quietinha e
deixa que os pardais aterrem
suavemente sobre a sua cabeça de
ébano, é preciso liquidar a misogenia
antes que ela alastre por essa Europa
fora, agora que a contaminação já é
uma evidência, alinda as plantas
e corta os ramos nocivos, sabes como
se chama a esse sagrado acto? é
necessário saber da poda para
eliminar os ramos maléficos, limpem
as matas também ó senhores da
floresta! Joeirem o trigo, castrem
os pepinos para evitar amargos de
boca, árvores tranchadas, limpas
de ramos nocivos, embora tudo isso
se deva fazer castamente, puramente,
honestamente, santamente, limpamente.
Invocai o santelmo, o meteoro ígneo
que aparece aos navegantes.

 
Em breve será necessário descobrir o tesouro
escondido e à guarda da mulher que habita a
floresta. É necessário lançar fora o humor
nocivo e corrosivo: é claro que não se pode
comer uma estrela por mais cintilante que ela
seja, nem isso será permitido ao mais
célebre dos canibais, é preciso retirar isso dos
livros, expurgar as consciências, clarificar
a situação por causa dos filhos e dos maridos,
no melhor pano cai a nódoa dos pregoeiros,
meu caro poeta, o tempo não vai bem,
como sabes, a poesia já não mora nas ruas
e nas vielas.


Thursday, December 21, 2006

 
quem não existe não pode morrer só os vivos acalmam a
tempestade que se insinua neste rio de sangue trevas e lama
o deus do esquecimento varreu toda a memória do planeta a
luxúria invadirá estes tempos dançarão nus os amantes pela
noite dentro e o riso da coruja anunciará o fim dos tempos
festejemos a ruína do templo de Salomão pois que a injustiça
se instalou para sempre no coração dos homens ó vesgas
criaturas visitai em solene procissão o templo dea deusa
queimemos todo o incenso do universo e embriaguemo-nos
nos braços da glória efémera glória ternas criaturas
abandonemos o medo e o fingimento rio do esquecimento
rio destes dias sombrios e carregados de nuvens ó amigos
sonhadores depor as armas é imperativo quem com ferro
mata com ferro morre quem irá deter estes ventos
quem irá deter estas águas vamos partir em dia de tempestade

Monday, December 18, 2006

 
Afonso deitou olhos à vida e deu-se conta da sede ancestral
dos eucaliptos e dos pinheiros que rodeavam a sua velha casa
onde dificilmente o pão e o vinho chegavam para matar a fome
ancestral. Descobriu uns velhos caldeirões e disse: agora não
é tarde nem é cedo. Vamos à obra. Que se lixem os cálculos
mas sede é que esta floresta jamais há-de ter. Disse: o que
me dava muito jeito era uma enxada; disse e fez. Mãos ao
trabalho que se faz tarde, é uma pressa dos demónios que
me impele.
Quantos pinheiros e eucaliptos não importa. Escavou
pacientemente em redor das árvores, ajeitou os velhos
caldeirões e partiu em direcção ao rio.
Tarefa ingente e ciclópica para corpo tão mirrado pela fome.
Mas sede, não. Sede, nunca a hão-de passar estes pinheiros
e eucaliptos. Andou assim bastas horas, para trás e para a
frente, uma fé impunha-lhe este sacrifício. Deitou água, muita
água na floresta.
Passou a Felismina, velha de trabalhos e canseiras e disse:
ó Afonso, nunca tal vi regar os pinheiros e eucaliptos. Meta-se
na sua vida, senhora, pois não hei-de querer saber da sua
opinião, cuide bem do seu gado, deixe-me a mim em paz. E
Afonso na curva do rio, carregado com os velhos caldeirões
cheios de água, repetia sempre: sede não hão-de passar.
Foi então que se lembrou de uma sede ancestral, pegou no
garrafão, e levantando-o aos céus abençoou-o em nome do
pai e do filho e disse: toma e bebe pois a tua sede jamais será
saciada. E de novo se fez ao caminho do rio e já com os velhos
caldeirões carregados de água ia pensando, porra, que sede
não hão-de passar estas frondosas árvores dos meus tempos.
Andava nisto quando a velha Felismina resolveu andar a
dizer de casa em casa, olhem o Afonso anda a regar a floresta,
juntou-se o povo no adro para tentar perceber as razões
de tão estranho procedimento. O que terá acontecido ao
Afonso? Talvez o padre possa fazer umas rezas especiais,
só se for a bruxa da montanha azul, seca e estéril, nada se
passa de anormal com o Afonso, foi mau olhado certamente,
nisto de horas e horas de discussão fez-se uma súbita luz
e nessa altura precisa nasceu o filho da mãe, deu à luz em
má hora, coitada da mãe, qual coitada qual caralho, o Afonso
está bem, disse o médico que resolveu fazer naquele momento
um sinal da cruz, só o padre se mantinha na dele, coisas de
Deus e do Diabo, pela certa.

 
Em breve haverá notícias dos mortos a violência explodirá com
todo o seu cortejo de horrores não vale a pena fingir candura
todos somos eternamente cúmplices do esquecimento rio louco
este tão fracas as criaturas no seu entendimento vamos brindar
a tudo o que passou o que lá vai é um imenso buraco negro
nem uma faúlha de luz o poderá vencer a morte é uma terrível evidência

Saturday, December 16, 2006

 
Serás tu, pois, o nosso mais ilustre e insigne
bardo, versos e versos da mais alta estirpe,
mas, meu safado, essa do amor platónico não
a consigo engolir, uma bela partida é o que é,
um teu ilustre biógrafo afirmou algures que
num dia em que o céu estava brilhante e um
sol enorme apareceu a aquecer a terra, te
meteste muito silenciosamente dentro de um
barco com seis lindas raparigas, a forte maresia
perturbou-lhes os sentidos e logo após a
largada aqueles belos seios nus te levaram a
questionar seriamente os teus mais castos
votos, ah grande malandro, desta marítima
aventura escondida tão sabiamente pelos teus
biógrafos nada direi, fica descansado...
Tens sorte, pá, nem dá para descobrir um
ror de coisas que nos vêm à cabeça e que o
narrador gostaria de atirar como pedras a
rolar entre o cume da serra e o vale, como
quando era criança, assim, por exemplo, uns
fardos acumulados ao peso dos tempos,
amigos que partiram cedo e nos disseram da
urgência da vida. mortos para sempre e
nenhum deus os poderá ressuscitar
falaremos destes rostos perdidos na
solidão das águas desta tão insustentável
dor de os ver partir tão cedo e tão perto
do uivar dos lobos na floresta de uma tão
bonita carícia encontrada no espaço dos
passos em vão da amizade traída dos amores
perdidos no nevoeiro tal qual o jovem rei
que um dia virá para julgar os vivos e os
mortos dos sacrifícios em vão falemos ó
criaturas que sonhastes o velho mundo
liberto da derrota e da traição dos fantasmas
que habitavam a própria casa e ninguém
nunca os soube ver, certa espécie de aranha
habita agora a noite, a teia que vai tecendo
é cada vez mais apertada, duas ou três moscas
distraíram-se, coitadas! os fios, as linhas,
as linhas dos carris, a textura do discurso,
o homem é filho das ervas, as cordas
definem a qualidade do instrumento,
vê-se bem se o instrumento é mais ou menos
sensível, o importante são as mais belas e
perfeitas pernas que algum dia pisaram
esta relva...o fio, a linha, os lineamentos, o feto,
a planta, o homem feliz, os filhos-família,
o homem filho das trevas, o homem nobilíssimo,
de antiquíssima família, a pequena libertina,
a libélula em passeio pelos campos, a doce
paz dos amieiros, a água a chorar nos montes,
os olhos de água, uns olhos cravados de água,
o mais brando dos lumes, os olhos mais doces,
o polipódio, a planta da casa, a carne em flor,
a textura do discurso, o estilo, o fio, a linha,
os filamentos, a teia, as teias, os lineamentos,
os instrumentos de música, os poemas
conduzidos com a tua arte: invoco os meus
mestres Álvaro de Campos, Ricardo Reis,
Alberto Caeiro, Fernando Pessoa...tantas
pessoas numa só, um homem tão filho das
trevas carregado de luz, ergo para ti a
minha taça cheia de folhas de abeto, o novelo
dos fios, os insectos semelhantes às folhas
de feto, levanto a taça para que um menino
possa declamar os teus poemas, junto-os
a estas formosas águas, imagino o mais puro
dos pensamentos, uma doce rapariga deitada
de bruços, as tuas mãos acariciando os seus
cabelos, novelos de fios emaranhados, uma
manhã de música no bosque, um pensamento
generoso, um sentido figurado, os teus braços
envolvendo a sua cintura, a estrela preguiçosa
na cama, uma aranha presunçosa na manhã,
um reino, um herdeiro, a maior fidelidade,
a eficácia das tuas palavras, o exercício do
ofício, o fundamento, o alicerce... um rapaz
louro, alto e imberbe declama a Mensagem
aos quatro ventos, a tocha de mão em mão,
o apelo do mar, D.Sebastião partiu para
África e nem sequer sobrou um cavalo,
que país se aguentará sem cavalaria,
sem montaria, sem asnos para montar,
sem bois para lavrar, sem cavalos para montar,
sem mulheres, criar, lavar o alforge, a sacola,
a esmola os cativos, o cativeiro dos ricos,
as esmolas, os defuntos, a função, o
pagamento dos tributos, as tochas,
os cargos honoríficos, prometer muito,
nada fazer...

Friday, December 15, 2006

 
Por falar em pureza, meu safado, que é isso
de amores platónicos, bem gostava de te
entender, ainda por cima há por aí muito
boa gente que não te grama, dizem
que tu eras misógeno e mais isto e aquilo as
mulheres, blá, blá, blá, então diz-me, é assim
que um homem deve ser? que figura moral e
intelectual me saiste, agora serás mais um
símbolo da raça, estás muito bem colocado,
o Camões era meio cego vê bem a nossa
desdita, então é mesmo verdade que tu
não tinhas colhões? o que vai ser desta
raça a partir deste momento e destas
coincidências? Os símbolos são sempre
mal escolhidos, ainda se tivesses sorte
talvez nos pudéssemos dedicar ao
contrabando, não creio que houvesse
lugar para grandes azares.


Os passos na terra a floresta vergada ao peso de um excessivo
vendaval falemos antes de nós do esforço inglório da multidão
agradecida do abandono e da bonança desta tarde de ti ó glória
com que sonhámos pois que é sempre bom sonhar




Thursday, December 14, 2006

 
Cinquenta anos passados sobre a tua partida,
venho dizer-te que quase tudo continua
como dantes aqui no burgo, ainda é possível
beber uns copos de bom sumo de uva,
apesar do enorme progresso da química,
o país está como sempre suspenso e à espera
do indefenível momento, há barcos no rio
Tejo mas as desgraças já não são só marítimas.
Estarás certamente à espera das grandes
notícias: os poetas esperam o entardecer
para adivinharem o futuro da ciência, sabes
bem que nunca tantos falaram de ti, lições,
reedições, traduções, medalhas, retratos,
exposições, actos locutórios, actos ilocutórios
e até, imagina, actos perlocutórios, para
cúmulo a mágoa dos escombros deste
tempo, uma grande família dança ao longo
do cais, um barco voga nas ondas a suavidade
destes dias, a acalmia, a imponente figura
do pássaro nocturno fendendo os céus
e anunciando um amor sem limites e ainda
e sempre um país perfilado e de joelhos
vendo passar a tua imagem na procissão
das velas, o trágico elogio fúnebre à tua
pobre carcaça juntou alguns milhões,
a televisão em directo, o povo erecto e tu
ali deitado estranhamente incorruptível,
mas que grande patife, é bem feito,
pouco sabes de ciência certa, parece que
algumas meninas da faculdade das letras
(recordas-te delas?) desmaiaram só de ouvir
pronunciar o teu nome, e agora? o tal Reis
Ventura que te limpou o primeiro prémio de
poesia arrumou os livros em África e vá de
se lembrar que havia sangue no capim, é muito
grave, como bem vês, as margens são agora
a única hipótese segura, tudo é indefenido,
os sorrisos estão apontados ao longe onde
num velho campanário abandonado aos
pássaros as paredes ressonam, cheiram a
eternidade, a poesia por aí está em todo
o sítio, menos no do costume, pois é impossível
determinar o quê e o como nessa latitude,
mas a luta é sem quartel, um poeta morreu
a exigir silêncio total entre as oliveiras, essas
árvores tão cheias de sabedoria, os vagabundos
mais vagabundos da noite pernoitam nas
alamedas rente aos esconsos onde as putas
vão resolvendo o possível das grandes
frustrações colectivas, até o mulato Barnabé
me afirmou com todas as forças que o melhor
da vida dele se perdera nessas vielas escuras,
de mãos dadas um homem e uma mulher
deram a volta ao quarteirão, só então se apurou
que estavam enganados, enganei-me disse ela,
ele apenas acenou com a cabeça, os transeuntes
que presencearam a cena baixaram o dorso
e enganaram alguns orientais que assim
se puderam aperceber da transcendência dos
seres naquele inenarrável momento ontológico...



Sossegai ó gentes sabei que o rio do esquecimento é esta
apetência para o horror um sábio navega nestas águas quem
ri no fim rirá melhor amigos meus ardem no tempo soturnos
amigos de Peniche também quem nos manda calar a inocência
falaremos de tudo o que passou por mim não tenciono
investigar nada de nada bem me basta a certeza dos montes
a chorar há longos meses em busca das lágrimas mais puras


Wednesday, December 13, 2006

 
RIO DO ESQUECIMENTO


"Se os filhos da puta voassem não veríamos mais o Sol."
(Pi de la Serra)


Senhoras e senhores, é chegado o momento de vos apresentar
o Eng. Ferreira de Magalhães, distintíssimo habitante da floresta,
contador de histórias inventadas, matreiro, sacripanta e bom
copo. Vive, pois, em estado de graça e diz: mas isto é lá viver?
E aqui me fico por ter jurado que de política estávamos conversados,
o antes e o depois se verá, por mim contemplo um espaço azul
enquanto o Eng. Ferreira de Magalhães cofia a sua barba de
vários meses, ou anos? e me diz com satisfação de todo o tempo
que o consome em vão, dos sonhos próximos, a telefonia, uma
ovelha, um pirilampo, talvez. Como será possível fazer planos,
estruturas, cálculos milimétricos, se a paciência nos desencanta
e o maior tédio consumido sob os astros corrói estas paredes
de adobe e palha? E no entanto, eis o nosso homem optimista
dos sete costados planeando visitar a lua e dançar uma valsa
com a deusa do Amor. Habitante mensageiro destes meus
dias e noites como agradecer esse ar jovial e disponível?
Como saber da memorável decisão que levou o nosso
Engenheiro, fortemente tocado pelo tinto, a desfiar todo
o rosário de vaidades e dores?


Eis um riso brando uma alegria serena que nos leva
por rios navegáveis de palavras tão brandamente
abandonadas nesta imensa noite do esquecimento
é certo que nós não existimos que apenas um medonho
clarão inunda os céus e os nossos passos almejam o infinito

Monday, December 04, 2006

 
..........43. Posfácio

Quem saberá toda a verdade de ti? E o que é a verdade?
Falavas da mentira com grande ênfase. E o que é a mentira?
Será o contrário da verdade? Dizia o velho sábio:
a verdade é o contrário da não-verdade. Tu disseste:
prefiro o contrário de quase tudo. Eu disse:
eis aqui uma pessoa sensata...

(J.A.R.)

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

Web Page Counters